Data Privacy Brasil participa de evento da OCDE sobre impacto de medidas nacionais e globais de segurança no espaço cívico
No último dia 15.07.2021, a Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa participou do webinar “The impact of national and global security measures on civic space” (“o impacto de medidas nacionais […]
No último dia 15.07.2021, a Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa participou do webinar “The impact of national and global security measures on civic space” (“o impacto de medidas nacionais e globais de segurança no espaço cívico”), evento promovido pelo Observatório da Sociedade Civil da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD Observatory of Civic Space). Mediado por Elsa Pilichowski (Diretora de governança pública, OCDE), o debate contou com apresentações de Lysa John, (Secretária Geral da CIVICUS), Martin Abregú (Vice-presidente de Programas Internacionais da Ford Foundation), Clément Nyaletsossi Voule (Relator Especial das Nações Unidas sobre os Direitos à Liberdade de Reunião Pacífica e de Associação), Agnès Callamard (Secretária Geral da Anistia Internacional), Matthew Mayer (Governo do Canadá), David Lewis (Secretário Executivo do Financial Action Task Force, FAFT – GAFI), Jean Michel-Mis (Deputado, Assembleia Nacional da França) e Rafael Zanatta (Diretor da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa).
Iniciando a discussão, Elsa Pilichowski (OCDE) destacou a popularização de medidas excepcionais por parte do governo em razão da luta contra a COVID-19. Em sua fala, a diretora levantou preocupações sobre como medidas de combate ao terrorismo podem ter impactos corrosivos em direitos humanos e trazer restrições à sociedade civil, como impactos na liberdade de expressão e religião. O risco estaria no respaldo em preocupações de segurança pública como pretexto para violações e restrições do tipo, possibilitando tendências autoritárias. Portanto, em sua visão, é necessário encontrar um equilíbrio entre responder a ameaças e preservar direitos e liberdades fundamentais, o que percebe benefícios da participação pública e governos inclusivos: trazendo o exemplo do Canadá e de sua consulta pública sobre medidas de combate a terrorismo, a diretora pontuou que medidas do tipo trazem mais transparência e evitam polarização.
A seguir, Lysa John (CIVICUS) frisou que o espaço cívico está sendo cada vez mais restringido ao redor do mundo. Em sua perspectiva, diversos países partiram da premissa do enfrentamento ao Covid para aprovar legislações e adotar medidas restringindo o direito de reunião e, consequentemente, a liberdade de associação e expressão. Isto é, diversos países aproveitaram a oportunidade do contexto pandêmico e usaram do combate à doença como um pretexto para restringir direitos e liberdades fundamentais. Ao fim, terminou a fala alertando que a OCDE e seus países membros têm papel crítico a desempenhar na resolução desses problemas.
Mantendo o tom mais crítico à mesa, Martin Abregú, da Ford Foundation, ressaltou que há quatro questões principais que urgentemente precisam ser trabalhadas na temática de combate ao terrorismo: 1) como se definem os conceitos de “ameaças” e “terrorismo” em segurança pública; 2) como esses temas são confrontados; 3) como as ameaças à segurança e terrorismo são utilizados como justificativa para adoção de medidas autoritárias e 4) como essas práticas são replicadas em outros âmbitos, como a migração.
Na mesma linha, Clement Voule (ONU) afirmou que a resposta dos governos ao Covid acelerou e agravou os problemas já existentes no espaço cívico, de modo que a sociedade civil se tornou alvo de perseguições sob o pretexto de combate à doença. Assim, existiria uma tendência global em restringir gradativamente o direito de reunião. Para enfrentar tal violação, ele ressaltou a importância da mobilização internacional e do financiamento para reconstruir as democracias ao redor do mundo.
Por sua vez, Agnès Callamard (Anistia Internacional) abordou o fenômeno da securitização e o risco de medidas emergenciais se tornarem cada vez mais comuns de maneira a serem incorporadas à legislação dos países. Além disso, sua fala teve como tônica a discriminação. Nesse sentido, lembrou que os diversos efeitos da pandemia, bem como as medidas de restrição de direitos, não atingem igualmente todos os grupos: naturalmente, os grupos mais vulneráveis como imigrantes são os mais atingidos pela força repressiva do Estado. Assim, frisou em sua fala que a securitização da sociedade atingiu a todos, mas alguns mais que outros.
Ainda de acordo com a palestrante, uma outra dimensão da discriminação envolve a tecnologia. As tecnologias de reconhecimento facial, biométrico e monitoramento atingem aqueles grupos tradicionalmente marginalizados e, consequentemente, mais vulneráveis. Essas pessoas já são alvo de discriminação na sociedade. A tecnologia, portanto, apenas agravaria este cenário no qual a adoção desenfreada de tecnologias de vigilância é incompatível com o direito à privacidade e à liberdade de expressão.
Por outro lado, Matthew Mayer, representante do governo canadense, falou de outra perspectiva e trouxe dos exemplos vividos pelo Canadá que permitiram alcançar melhores resultados. Nesse sentido, Mayer chamou atenção para a abertura governamental em relação ao Anti-terrorism Act de 2015, momento em que o governo se dispôs a receber feedbacks do povo canadense. Em virtude da reação do público ao diploma legal, o governo promoveu diversas consultas com especialistas, a sociedade civil e o público de forma geral. Analisando a experiência, a conclusão do processo foi de que os canadenses desejavam aumentar a fiscalização dos órgãos de law enforcement, incrementando os mecanismos de transparência e accountability. Reforçou, ainda, que tais propostas seguem sendo esforços de melhoria contínua por parte do governo canadense, que avaliou a experiência da consulta como positiva.
Ainda no contexto de consultas, um segundo exemplo prático que teve destaque em sua fala envolve a terminologia empregada para tratar das ameaças de segurança pública e terrorismo. Em um primeiro momento, o governo canadense tinha se utilizado de terminologias consideradas ofensivas para alguns grupos, por associar a prática de atos de violência e terrorismo a determinados grupos étnicos e religiosos. A participação popular foi fundamental para reavaliar a mudança na terminologia, além de ter demonstrado que os canadenses desejam participar dos processos de decisão. Reconhecendo o erro passado e aprendizados para o futuro, Mayer destacou que o governo se esforça para ser o mais inclusivo possível e que a confiança da população é fundamental para o Estado canadense, pois somente se o povo for ouvido é possível atingir um maior grau de transparência e inclusão.
Na mesma linha de reflexão sobre responsabilidades, David Lewis (FAFT-GAFI) reconheceu ser parte do problema e comentou se considerar o “vilão” do painel, enquanto representante de uma entidade dedicata ao combate ao terrorismo que já reproduziu as problemáticas apontadas no painel. Contudo, Lewis afirmou que a FATF está decidida a reverter tal cenário. Para tanto, o órgão intergovernamental deve assumir o compromisso de trabalhar em conjunto com a sociedade civil a fim de mitigar consequências indesejadas no combate ao terrorismo. Uma delas, por exemplo, seria a perseguição a organizações sem fins lucrativos, que por muitos anos foram o alvo da FAFT.
Por sua vez, o deputado francês Jean Michel-Mis retomou a fala de Agnès Callamard a respeito da securitização. Nesse sentido, abordou tensões entre pautas de segurança e liberdades, bem como legislação de exceção, contexto em que ressaltou a importância da proporcionalidade nas medidas empregadas. Além disso, o deputado indicou problemáticas no emprego de tecnologias no contexto de law enforcement, como sistemas de reconhecimento facial: nesse cenário, são preocupantes questões de vigilância massiva e possibilidades de controle automático, bem como a pouca compreensão sobre o funcionamento de algoritmos.
Ainda comentando o desenvolvimento tecnológico na segurança pública, Michel-Mis considerou que a inteligência artificial é uma tecnologia que coloca liberdades em xeque: para seu uso adequado, é preciso considerar questões de proporcionalidade e também de transparência, sendo esta condição sine qua non da confiança nesses instrumentos. Além disso, o deputado defendeu que a tecnologia deve ser inclusiva de maneira a possibilitar o controle democrático direto por parte dos cidadãos.
Encerrando o painel, Rafael Zanatta (DPBR) trouxe uma análise crítica do combate ao terrorismo no contexto específico da América Latina, cuja história é marcada pelo passado ditatorial. Após citar consequências desse passado, indicou tendências regionais no combate ao terrorismo que afetam o espaço cívico, além de ter apresentado o olhar da sociedade civil e da OCDE sobre o tema.
Nesse sentido, um primeiro alerta é o de que, no contexto latinoamericano, “terroristas” são os opositores ao governo – tradicionalmente, cidadãos subversivos de esquerda. De modo igualmente preocupante, países da América Latina tendem a “olhar para dentro” na segurança pública: ou seja, terroristas não são inimigos externos, mas sim internos. Isso revelou-se ainda mais problemático no contexto da pandemia, no qual a adoção de tecnologias de vigilância e o aumento da coleta de dados pessoais por parte do governo ainda preocupa em termos de perseguição a ativistas e monitoramento de opositores.
Quanto às tendências regionais no combate ao terrorismo que afetam o espaço cívico, Zanatta indicou três que merecem atenção. A primeira delas é a tentativa de expandir o terrorismo para questões de segurança cibernética: há uma preocupante militarização do campo da proteção de dados pessoais que pode vir acompanhada de equívocos mais gerais sobre o acesso à informação e outros tópicos, como a confusão de competências em segurança cibernética e atribuições militares.
Por sua vez, há também a tendência de enquadramento de crimes financeiros e ataques de ransomware como atividades terroristas. Uma das consequências possíveis da pressão exercida por anos por instituições financeiras tradicionais na reforma de leis vigentes é um incremento da criminalização que pode impactar também as liberdades civis. Nesse cenário, há riscos significativos para o jornalismo e o ativismo de dados, de modo que a expansão do conceito de terrorismo requer atenção.
A terceira tendência envolve a mudança narrativa sobre o que constitui conduta de “violência extrema” no ambiente online. Na Colômbia, por exemplo, o conteúdo produzido por entidades civis e ativistas em protestos recentes foi rotulado como “incitação à violência”, uma subversão da lógica do governo. Nesses casos, alertou que intermediários não podem ceder a essas tentativas, que podem amplificar a remoção massiva de conteúdo discursivo legítimo pela sociedade civil.
Por fim, o diretor da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa concluiu reforçando o posicionamento da OCDE quanto à importância da transparência na abordagem de conteúdo violento e extremista. Destacou, ainda, a preocupação em comum entre as entidades da sociedade civil sobre definições amplas e indefinidas de “terrorismo” e “violência extrema”, sendo a falta de delimitações claras desses termos possíveis instrumentos de assédio e ameaças por parte de governos autoritários.
Por Thaís Aguiar e Hana Mesquita