Mesa no CPDP- LATAM: ‘’Multissetorialismo na forma e no conteúdo da LGPD: qual é o papel dessa abordagem para a formação de uma cultura de proteção de dados no Brasil?’’

Publicado em agosto 17, 2021

No dia 16 de julho, foi realizada uma mesa de discussão sobre o tema “Multissetorialismo na forma e no conteúdo da LGPD: qual é o papel dessa abordagem para a […]

No dia 16 de julho, foi realizada uma mesa de discussão sobre o tema “Multissetorialismo na forma e no conteúdo da LGPD: qual é o papel dessa abordagem para a formação de uma cultura de proteção de dados no Brasil?”, organizada pelo Data Privacy Brasil, para o Evento CPDP LatAm. O encontro, moderado por Mariana Rielli (DPBR), contou com a participação de Bia  Barbosa (Coalizão Direitos na Rede), Ana Paula Bialer (Brasscom), Waldemar Gonçalves (Diretor da Autoridade Nacional de Proteção de Dados) e Bruno Bioni (DPBR) e teve como objetivo discutir o papel do multissetorialismo, não apenas a partir de um olhar para o passado, mas também para o futuro, buscando entender como empresas, associações empresariais, academia, governo e terceiro setor se articularam para formular e aprovar a  LGPD e como podem trabalhar para implementá-la e para consolidar uma cultura de proteção de dados pessoais no Brasil.

Questões introdutórias: natureza jurídica e atuação da ANPD, diante da dinâmica de multissetorialismo inerente à proteção de dados pessoais no Brasil

Abordando a dinâmica do multissetorialismo dentro da perspectiva da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), Waldemar Gonçalves apontou que, apesar de estarem atuando com uma estrutura enxuta, a ideia de uma atuação transversal, que difere de outras agências reguladoras, por exemplo, é algo que traz muita empolgação para o órgão. Alguns setores, conforme apontado por ele, acreditam que a Autoridade já está totalmente preparada para começar a autuar e multar as empresas no dia 01 de agosto, entretanto, o presidente destacou que as multas muitas vezes não surtem os efeitos desejados, tendo em vista que as empresas acabam protelando o seu pagamento, além de, em muitos casos, transferir os custos para os consumidores. Assim, Waldemar concluiu que a ideia da ANPD é a construção de uma entidade educativa, orientativa, que gere segurança jurídica para o país. Por fim, abordando a questão da mudança de natureza jurídica da entidade para autarquia, o presidente ressaltou a importância de tal modificação, considerando que a atual estruturação limita a participação do Brasil em alguns eventos apenas como “ouvinte”.

Iniciando o ciclo de comentários sobre a exposição, principalmente sobre a mudança da natureza jurídica da Autoridade, Bruno Bioni frisou o quão positivo é conversão da Autoridade em uma Autarquia, tendo em vista que se o Brasil quiser ‘’sentar na mesa’’ para negociar tratados para transferência internacional de dados, além de um bom arranjo legal,  a autonomia da entidade também será levada em consideração para fins de negociação de acordos de livre fluxo transfronteiriço.

Por sua vez, Beatriz Barbosa também destacou a importância da mudança de natureza jurídica da ANPD para a construção de uma entidade mais robusta e independente. Trouxe, ainda, uma reflexão sobre a rapidez com a qual a Autoridade teve que se estruturar, devido à demora na aprovação da LGPD, destacando a necessidade de ampliação do quadro de funcionários da entidade, considerando os desafios que a ANPD virá a enfrentar.

Entendendo o papel do multissetorialismo para a regulamentação, interpretação e aplicação da LGPD 

O primeiro manifesto dentro do setor empresarial da Brasscom, na tentativa de construção de um entendimento coletivo sobre a Lei Geral de Proteção de Dados, é datado de 2016, conforme destacou Ana Paula Bialer ao iniciar a sua fala. Nesse sentido, ela destacou que um dos principais desafios para a normatização e estruturação da Autoridade é a complexidade crescente do setor de tecnologia, a qual foi aumentando cada vez mais ao longo das últimas décadas e impõe uma dificuldade muito grande em termos de construção de conceitos. Para ela, o que colaborou para uma mudança relativa em tal cenário foi o amadurecimento do debate sobre a constitucionalização da proteção de dados pessoais, por meio da PEC 17/2019. 

Prosseguindo com a exposição, Ana Paula ressaltou que a Autoridade não está diante de um “mercado a ser regulado”, com uma atuação nos moldes das outras agências reguladoras, mas sim, diante de uma função em garantir e fazer com que os direitos dos titulares sejam materializados. Nesse sentido, ela elogiou que a ANPD tem fortalecido a tecnicidade nos processos, por meio da realização de consultas públicas e tomadas de subsídios.

Ao comentar sobre a exposição, o presidente Waldemar pontuou que, em conversas com o presidente de uma agência reguladora, seu interlocutor apontou o quanto a escolha do nome “autoridade” foi acertada para a ANPD, tendo em vista que  “agência” carrega uma tom de “repressão”, uma ideia negativa. Destacou, ainda,  que a proteção do titular não implica necessariamente a aplicação de uma sanção, mas existem também outras medidas, como a advertência, a qual possibilita que as empresas solucionem os problemas identificados antes da imposição de qualquer penalidade. O presidente completou apontando que essa será a postura adotada pela ANPD, com foco no incentivo de uma atuação responsável.

Ao destacar o que a própria moldura da LGPD propõe, Bruno frisou que a lei fornece uma espécie de “mesa” para que o setor privado, a ANPD e outros stakeholders possam estabelecer “conversas regulatórias”. É o caso da previsão de validação de códigos de boas condutas, inclusive como um mecanismo de transferência internacional. Por fim, ele celebrou o fato da  ANPD estar celebrando convênios de cooperação com outros órgãos reguladores. Algo essencial para que as regras amplas e gerais da LGPD sejam verticalizadas e, em última análise, materializadas de acordo com a realidade de cada setor produtivo.

Compreendendo os principais desafios para a sociedade civil e terceiro setor, envolvendo a dinâmica do multissetorialismo e a LGPD

Ao trazer a abordagem para a seara do terceiro setor, Beatriz Barbosa apontou que a Coalizão Direitos na Rede já reunia organizações da sociedade civil e acadêmicas desde o processo de tramitação do Marco Civil da Internet e, portanto, quando a LGPD chegou no Congresso, o trabalho multissetorial em conjunto já era realizado. Nesse sentido, ela destacou o quanto a participação da sociedade civil foi importante para que os direitos dos usuários à proteção de dados fossem garantidos de uma maneira ampla, dando como exemplo a  inserção da ideia de legítima expectativa do titular dos dados, diante do legítimo interesse, um tema de bastante controvérsia no momento da discussão do texto. 

Citando a PEC 17/2019, que também foi comentada na fala de Ana Paula Bialer, Bia destacou que não foi possível a construção de uma articulação conjunta em todos os momentos, algo que também é verdade quando se fala da  própria LGPD. Durante as discussões da LGPD, houve uma movimentação da sociedade civil com relação a alguns vetos, como, por exemplo, no caso daquele que garantia o direito de revisão por pessoas físicas com relação às decisões tomadas de forma automatizada. Ocorre que, nesse e em outros casos, as diferenças de interesses se manifestaram, não tornando possível a construção de uma coalizão mais ampla, o que culminou na dificuldade de derrubar o citado veto no Senado Federal. Para ela, o processo multissetorial segue sendo de fundamental importância para a atuação da Coalizão não só em processos regulatórios, mas também no desenvolvimento de políticas públicas sobre outros temas, porém, ressaltou que  nem sempre é possível alcançar consensos. 

Iniciando o ciclo de comentários, Ana Bialer ponderou que a sociedade civil e o setor privado não se encontram em lados opostos, mas que visões diferentes são saudáveis e naturais. Nesse sentido, afirmou que, apesar de Bia ter mencionado pontos da LGPD como conquistas da Coalizão, ela entende que as discussões foram desarmadas e colaborativas, havendo um crescimento de todos no processo de construção da norma, tanto em termos de coalizão formal, quanto informal. 

Nesse mesmo sentido, Waldemar apontou que a relação da ANPD com a sociedade civil não poderia ser melhor, bem como que a equipe busca uma transparência total dos passos e procedimentos que estão sendo realizados. Destacou, ainda, que apesar de terem interesse em normatizar toda a LGPD, não possuem fôlego para isso, o que implicou na seleção dos pontos de maior risco. Com relação às reuniões do conselho, o presidente frisou que a definição de três encontros anuais não foi uma decisão da Autoridade, mas sim uma imposição definida no decreto que a instituiu, no entanto, para ele, não haveria limites para as reuniões, podendo ser acionadas de forma extraordinária.

Discussões envolvendo o Conselho Nacional de Proteção de Dados (CNPD) e a dinâmica de cooperação da ANPD.

Para encerrar a apresentação dos palestrantes, Bruno Bioni iniciou afirmando que decisões democráticas são realmente as mais trabalhosas, considerando que os consensos são obtidos justamente no debate dos dissensos. De certa forma, para ele, o processo de construção multissetorial da LGPD a diferencia de outras regulações. Isso porque, foi uma legislação exaustivamente debatida, contando com dois processos de consulta pública espaçados, um em 2010 e um em 2016, o que resultou em um texto muito mais sólido quando foi definitivamente encaminhado para o Congresso Nacional. A construção multissetorial não aparece apenas em termos procedimentais da Lei Geral de Proteção de Dados, mas também no seu conteúdo, se materializando, por exemplo, por meio da figura do CNPD. Por conta disso, Bruno destaca a urgência da constituição do Conselho, a fim de possibilitar um canal mais estruturado de comunicação e facilitar o trabalho não só dos stakeholders dos setores ali representados, mas também o trabalho regulatório da ANPD. 

Abordando as problemáticas atreladas à regulação, Bruno citou Márcio Iório Aranha, para apontar que o “jogo regulatório é muito mais desafiador do que posições estáticas entre o Estado e o setor privado”, constituindo, na realidade, uma “orquestração multissetorial”. Nesse sentido, salientando a concepção de regulação responsiva, ele asseverou a importância que os processos de sancionamento e investigação sejam também abertos a terceiros interessados, possibilitando que não só àqueles legitimados para propor ações coletivas possam se manifestar, um ponto muito importante para uma verdadeira governança multissetorial.  Por fim, destacou a importância da tradução para a LGPD da concepção de accountability, a qual representa a ideia não apenas de prestação de contas, mas também que engloba a possibilidade de responsabilização. 

Ao comentar sobre o CNPD, Bia Barbosa asseverou que o Conselho deveria ser uma das primeiras coisas a serem instituídas pela entidade, para colaborar no estabelecimento do programa de proteção de dados e auxiliá-la a tomar decisões. Questionou, ainda, o quanto a atuação multissetorial de fato vai ser prioritária para a ANPD, considerando que a aprovação dos representantes da sociedade civil no Conselho passará por um duplo filtro: primeiro, o da diretoria da ANPD e, segundo, o da Presidência da República, que vai fazer a nomeação a partir das listas tríplices constituídas. Por fim, demonstrou preocupação quanto à frequência de apenas três reuniões anuais do Conselho, o que, para ela, limita o exercício do esforço multissetorial.

Por sua vez, Ana Bialer, comentando uma das exposições, fez algumas considerações sobre a composição do CNPD, ponderando que, por ter um objetivo de possuir uma composição multissetorial, ele poderia ser maior, considerando a existência de apenas duas vagas para para todos os setores econômicos. Ponderou, por fim, em outro momento, que talvez uma possibilidade importante seria trazer a incumbência da continuidade das discussões para fora da Autoridade, com a responsabilidade de continuar o diálogo entre os setores e amadurecer alguns posicionamentos.
Destacamos que no dia 09 de agosto, foi publicado o decreto presidencial nomeando a lista da composição dos membros do CNPD, a qual nomeou dois dos expositores dessa mesa, Bruno Bioni, como um dos representantes de organizações da sociedade civil e Ana Paula Bialer como uma das representantes de entidades representativas do setor empresarial.

Por Júlia Mendonça e Mariana Rielli

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