SEMINÁRIO DE PROTEÇÃO À PRIVACIDADE E AOS DADOS PESSOAIS – Dia 01
Em 2020, o Seminário de Proteção à Privacidade e aos Dados Pessoais, promovido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil/CGI.br, em parceria com o Núcleo de Informação e Coordenação do […]
Em 2020, o Seminário de Proteção à Privacidade e aos Dados Pessoais, promovido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil/CGI.br, em parceria com o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR/NIC.br, chega à sua 11º edição, mantendo o modelo de debate multissetorial e de alto nível pelo qual ficou conhecido.
Como forma de celebrar o Seminário, que se constituiu ao longo da última década como um dos principais fóruns de discussão sobre o tema no país, e resgatar os principais pontos de debate deste ano, a Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa apresenta o primeiro de uma série de posts em que registra os principais pontos apresentados em cada Keynote e painel.
O tradicional painel de abertura e boas-vindas foi composto por Demi Getschko (NIC.br), Flávio Rech Wagner (ISOC Brasil), Luiz Costa (MPF/SP), Marcio Nobre Migon (CGI.br ), Marina Feferbaum (FGV-SP e Rafael Mafei Rabelo Queiroz (USP).
Confira os highlights do dia 1!
Keynote 1 – Eleições baseadas em dados e micro-segmentação de eleitores: as principais questões para os defensores da privacidade
A primeira palestra, ou Keynote, do Seminário foi proferida por Colin Bennett, cientista político e professor da Universidade de Victoria no Canadá. Moderado por Rafael Evangelista (CGI.br), o Keynote teve como tema a intersecção entre a defesa da privacidade e o emergente tema das eleições baseadas em dados (‘’data-driven elections’’). Para abordar essa problemática complexa e multifacetada, Bennett se apoiou em cinco pontos.
O primeiro deles foi a variedade de efeitos que a chamada ‘’voter surveillance’’ tem: efeitos sobre a polarização política, efeitos sobre o ‘’livre mercado das idéias’’, efeitos sobre níveis de participação política, efeitos sobre as próprias campanhas, efeitos sobre governança e o possível fortalecimento de uma política paternalista, efeitos sobre o sistema de partidos e sobre a competição eleitoral. Descritos os efeitos em potencial, o professor passou para as tendências atuais percebidas por quem estuda tal dinâmica.
Elas se concentram na transposição de técnicas de marketing comportamental comercial para o mundo das campanhas políticas. Dados pessoais viram um ativo político, uma inteligência política e uma influência política, que se dá principalmente por meio do micro-targeting, em oposição a mensagens de massa.
Na sequência, o Keynote abordou quais os fatores que possibilitam a incidência maior ou menor de tal tendência em uma determinada sociedade. São fatores jurídicos – previsões constitucionais, previsões legais (proteção de dados, legislação eleitoral), regras de telemarketing, anti-spam, etc – políticos – sistemas eleitoral e partidário, votação obrigatória ou não, existência de primárias, frequência de referendos- e, por fim, culturais –
aceitação pelos cidadãos de campanhas diretas (candidato – eleitor), eventual existência de legados autoritários e confiança em elites políticas.
Descrito o cenário, Bennett passou a apontar os desafios impostos à privacidade dos indivíduos. O primeiro deles é que ‘’voter surveillance’’ é uma questão global, que requer harmonização internacional. Além disso, o ecossistema de atores envolvidos (controladores e operadores) é muito grande e muda o tempo todo. Também é um grande desafio o fato de que o ‘’outro lado’’ da discussão tem argumentos convincentes, como a necessidade do uso de dados pessoais para a mobilização política, e que é difícil convencer políticos a se regularem. Por fim, há uma grande diversidade de órgãos reguladores (não apenas DPAs, mas também reguladores de eleições).
Encaminhando-se para o final de sua exposição, o professor então apontou quais as lições a serem extraídas para os defensores da privacidade: necessidade de entender a rede de campanhas políticas cada vez mais complexa em cada sociedade; necessidade de entender as condições jurídicas e regulatórias que permitem ou limitam o tratamento de dados pessoais no contexto político-eleitoral; necessidade de se comunicar e de eventualmente desafiar autoridades reguladoras; possibilidade de ‘’alavancagem’’ de políticas a partir de iniciativas contra fake news e propostas para transparência de propaganda; oportunidade de trabalhar por dentro dos partidos políticos; necessidade de cooperação internacional.
A título de conclusão da palestra, Bennett relembrou três coisas: que questões familiares sobre privacidade, transparência, consentimento, accountability, etc estão no centro de um debate internacional sobre democracia e seu futuro; que os defensores da privacidade e reguladores estão no centro dessa conversa global; e que, enfim, políticos estão começando a perceber que o uso inapropriado de dados pessoais pode custar votos.
No momento aberto a perguntas, foram discutidas questões como o papel das plataformas e redes sociais, accountability algorítmica e se leis de proteção de dados pessoais são suficientes para combater o cenário desenhado pelo professor.
O Keynote completo pode ser conferido aqui.
A Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, em parceria com o InternetLab e o Instituto Liberdade Digital, lançou o relatório ‘’Proteção de dados nas eleições: democracia e privacidade’’, em que aborda algumas das questões discutidas no Keynote à luz da LGPD.
Painel 1 – A dimensão do direito à privacidade e aos dados pessoais na sociedade
Após a palestra inicial, às 15:45 teve início o primeiro painel do 11º Seminário, cujo tema foi um panorama amplo das questões mais atuais e urgentes sobre privacidade e proteção de dados na sociedade. O painel foi moderado por Marina Feferbaum (FGV-SP).
O painel partiu de considerações iniciais da moderadora sobre como a ampliação do sentido da privacidade se deu não pelo desenvolvimento tecnológico, mas pelo jurídico, e que a função da proteção de dados hoje é, dentre outras, a promoção da isonomia, uma meta considerada por ela ainda distante.
A primeira fala foi de Miriam Wimmer, diretora da Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Wimmer frisou que hoje, é preciso pensar na potencialidade da tecnologia para os novos tratamentos de dados pessoais, o que atinge as mais diversas esferas da vida social e econômica. Diante desse cenário, o grande questionamento levantado por ela foi o que se esperar da Lei Geral de Proteção de Dados e a estrutura normativa e regulatória por ela criada. A diretora pontuou que há uma expectativa de que a lei possa resolver tudo, de fake news a questões concorrenciais, mas é importante colocar tal visão em perspectiva e lembrar que o objetivo primordial da LGPD é proteger os dados dos cidadãos.
Rafael Mafei, professor de Filosofia do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, dividiu sua fala em perspectivas e preocupações. Dentre as perspectivas, destacou que o tema da proteção de dados pessoais deixou de ser técnico e hoje é uma questão política e que tal compreensão permite enxergar como o tema se insere em uma discussão mais ampla sobre democracia. Como preocupações, destacou que restam dúvidas sobre a diferença de defesa do estado e segurança pública – e que é preciso esclarecer isso – o que leva a riscos de excessos em termos de segurança do Estado e defesa nacional que podem comprometer a proteção de dados.
Samara Castro, a terceira painelista, representante da OAB/RJ, focou sua fala em dois temas: i) como o controle e manipulação de dados pessoais gera impacto na estrutura da sociedade e ii) quais áreas do direito se dedicam a esse tema. Seu foco foi a questão eleitoral e como os métodos tradicionais de predição de comportamento utilizados por empresas entraram também no espaço público, político e eleitoral, formando parte do conceito de ‘’capitalismo de vigilância’’. A advogada passou, então, por questões ligadas às eleições e à LGPD e concluiu com uma visão sobre como a proteção de dados não é mais uma questão individual, mas estrutural, que pode servir para o combate à desinformação e, inclusive, para a preservação do Estado Democrático de Direito.
Por fim, na primeira rodada de apresentações, falou Danilo Doneda, membro do Conselho Nacional de Proteção de Dados. O foco da fala foi uma reflexão sobre como, embora a proteção de dados parta de elementos eminentemente privados, relacionados à personalidade do indivíduo (e as leis acabam sendo projetadas nesse sentido), ela também tem um caráter estrutural e coletivo. Além disso, em um paralelo à fala de Miriam Wimmer, Doneda afirmou que a LGPD não é o único fator determinante na proteção de dados pessoais e sua absorção pela sociedade, uma vez que o assunto já era abordado por outras leis, foi recentemente abordado pelo STF, e insere-se no imaginário e nas preocupações da população.
Algumas das questões discutidas na rodada de perguntas foram a relação e a convivência da Lei de Acesso à Informação com a LGPD, a efetividade da LGPD, a relação entre coleta massiva de dados e autoritarismo e a coletivização da proteção de dados.
O painel completo pode ser conferido aqui.
Sobre o caso discutido pelo STF, mencionado por Danilo Doneda, a Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa foi amicus curiae na ação. A petição pode ser conferida aqui.
Painel 2 – As heranças de uma pandemia e a proteção à privacidade e aos dados pessoais
O segundo painel do dia, moderado por Maria Lúcia Valadares e Silva (Anatel), focou no legado da COVID-19 e das medidas governamentais e privadas destinadas ao seu combate para a privacidade e proteção de dados pessoais.
Patrícia Ellen da Silva, secretária de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, abordou a questão a partir de uma perspectiva governamental, ressaltando que a implementação da LGPD é um grande desafio dentro dos governos e que a pandemia acelerou o debate sobre proteção de dados pessoais sem que os órgãos públicos estivessem prontos para tanto. Afirmou também que sua opinião é que deveria haver, idealmente, uma padronização global, pois a própria pandemia evidenciou que tanto as questões de saúde pública como as de uso de dados pessoais são globais e não observam fronteiras.
Em seguida, Nathalie Fragoso, coordenadora da área de Privacidade e Vigilância do InternetLab, centrou sua fala na questão da vigilância e sobre como a pandemia pode, ou não, ter acelerado processos de vigilância em curso. A pesquisadora afirmou que os mecanismos técnicos para a vigilância estão disponíveis e que para lidar com a situação de crise e utilizar essas tecnologias, é preciso de um quadro normativo mais completo e de transparência ativa, monitoramento e controle sistemático dessas implementações. Apontou também que a proteção de dados não ocorre em detrimento da tecnologia e da inovação e ao final, reforçou mais uma vez o papel da transparência e da atuação da sociedade civil para pressionar pelo respeito a princípios e padrões e pela harmonização da LGPD com outros dispositivos.
Na sequência, foi a vez de Raissa Moura, advogada da Inloco, fazer suas considerações. A advogada focou sua fala nos achados do relatório Privacidade e Pandemia, da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, do qual participou, e que tem como lições a necessidade de respeito a uma série de princípios, decorrentes de uma leitura integrada do ordenamento jurídico brasileiro, para a utilização da tecnologia e dos dados pessoais com fins de combate à pandemia. Destaca que a tecnologia deve ser aliada da saúde pública, desde que seja buscado um equilíbrio entre essa utilização e os mecanismos já disponíveis de proteção de dados, na medida em que isso é benéfico a todos, governo, sociedade civil, indivíduos afetados, etc.
Por fim, falou Bethânia Almeida, socióloga da Fiocruz. Ela abordou especificamente tecnologias de rastreamento de contato e como suas finalidades devem ser claras e transparentes para que sejam mitigados riscos e abusos. Lembrou que a pesquisa científica, no geral, recorre a marcos éticos quando envolve pesquisa com seres humanos e que isso é um ponto central quando se trata da privacidade dos indivíduos. Afirma, ainda, que o tratamento ético dos dados para fins de pesquisa científica é englobado pela própria LGPD, que reforça práticas aplicadas historicamente. Por fim, lembrou que a existência de salvaguardas é essencial para a garantia de responsabilização de agentes diante de abusos, já que as tecnologias podem ser neutras, mas seu uso não.
O painel completo pode ser conferido aqui.
Por Daniela Eilberg, Gabriela Vergili, Mariana Rielli e Thaís Aguiar