A Autoridade Nacional de Proteção de Dados e o possível ingresso do Brasil na OCDE
No dia 26 de outubro, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou um extenso e completo relatório de revisão da transformação digital brasileira, apontando os principais desafios […]
No dia 26 de outubro, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou um extenso e completo relatório de revisão da transformação digital brasileira, apontando os principais desafios e trazendo recomendações para que o país se adeque à Organização, visando o desenvolvimento econômico e tecnológico. O lançamento do relatório foi marcado por um evento no mesmo dia, no Palácio do Itamaraty em Brasília, com presença de ministros brasileiros (Min. Fábio Faria, Min. Ernesto Araújo, Min. Marcos Pontes e Min. Chefe da Casa Civil Walter Braga Netto) e, virtualmente, membros da OCDE como o próprio Secretário Geral da organização, Angel Gurria.
Dentre os vários temas distribuídos em sete capítulos do relatório, alguns pontos se destacam na atual conjuntura política do país, como a formação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que a todo momento é recomendada que seja independente; o caráter multissetorial na formulação de políticas, onde o exemplo do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) é frequentemente citado; e a questão geopolítica do 5G, que embora não mencionada diretamente, é fortemente recomendada a realização do leilão que viabilizará a instalação da infraestrutura necessária para essa nova geração de conexão à Internet.
O Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse que o país está atento às recomendações do relatório da OCDE para que logo possa se tornar um membro da Organização. O Secretário Geral Angel Gurria falou da importância da aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), junto da proteção aos consumidores; destacou o Comitê Gestor da Internet (CGI.br) e o modelo multissetorial; e comentou de avanços na independência da Anatel e na promoção de concorrência do mercado móvel.
Entretanto, lembrou que persistem alguns desafios: muitos brasileiros ainda estão desconectados e é preciso combater essa exclusão digital, continuando a implementar infraestrutura de rede fixa. Gurria lembra que a Internet das Coisas (IoT) e a Inteligência Artificial (IA) dependem de banda larga de alta velocidade. Outro ponto colocado foi sobre a confiança, que é base para uma transformação digital, inclusive através da LGPD e, portanto, é essencial garantir que a Autoridade Nacional para Proteção de Dados (ANPD) funcione com total independência, que tenha transparência e seja baseada em conhecimentos técnicos. Uma das recomendações destacadas pelo Secretário Geral é de que o Brasil adote uma abordagem de todo o governo para a transformação digital, com base na Estratégia de 2018 (E-digital), e segundo Gurria, a transformação digital deve andar de mãos dadas com uma transformação fiscal.
O Ministro para a Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, colocou a importância das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) no contexto pandêmico, lembrando que o Brasil possui um sistema robusto de Internet. Falou também da importância do trabalho na educação digital; nas aplicações da Internet das Coisas, onde já existe uma estratégia nacional em quatro câmaras, determinadas por consulta pública: indústria, saúde, agricultura e cidades inteligentes, agora acrescentando uma quinta câmara, do turismo. Segundo Pontes, o Brasil também tem muito o que agregar aos seus parceiros com essas experiências. Também estiveram presentes no evento os Ministros Braga Netto, da Casa Civil, e Fábio Faria, das Comunicações.
O presidente da Anatel, Leonardo de Morais, destacou o modelo de regulação responsiva adotado pela agência, em oposição ao antigo modelo de comando e controle. Essa tendência também está incorporada na LGPD, onde se propõe diálogo constante entre reguladores e regulados, incluindo o papel da ANPD. Andrew Wyckoff, falando pela OCDE, reforçou a fala de Gurria sobre o Brasil assegurar a independência da ANPD, além de trazer outras recomendações como a reforma da Lei da Informática e a criação de um órgão regulador convergente para audiovisual e radiodifusão, uma proposta em discussão na Casa Civil. Vale notar que o relatório foi finalizado antes da instalação da ANPD e, nesse sentido, faz as seguintes recomendações:
1) Reavaliar / alterar o artigo 55-A da Lei 13.709 para garantir a total independência da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD);
2) Garantir que as nomeações da Diretoria da ANPD e do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais sejam transparentes, justas e baseadas em competências técnicas;
3) Garantir um orçamento adequado e previsível à ANPD por meio de um processo transparente.
A esse respeito, é importante lembrar que a atual versão da PEC 17/2019, a ser analisada pelo plenário da Câmara dos Deputados, prevê não só a inclusão do direito à proteção de dados no rol de direitos fundamentais da Constituição federal, mas, também, que haja um “órgão regulador independente” para a sua materialização. Essa independência seria alcançada se a ANPD fosse “integrante da administração pública federal indireta, submetida a regime autárquico especial” – , exatamente como sugeriu o Data Privacy Brasil ao participar de audiência pública na Câmara dos Deputados. Essa solução é considerada pela própria LGPD ao prever que a atual natureza jurídica da ANPD, como um órgão da administração pública direta, é transitória. Inclusive, estipulou-se o prazo de dois anos, após a entrada em vigor da LGPD, para tal revisão. Diante de toda a conjuntura e das ponderações contundentes por parte dos representantes da OCDE, o governo brasileiro estaria disposto a antecipar a conversão da ANPD em autarquia para aumentar as suas chances de ingresso na OCDE em 2021?
Ainda, o relatório chama a atenção para a linha aparentemente tênue existente entre esse tema e o da segurança, que deve ser enfatizado diante da “militarização” da ANPD. De acordo com o relatório da OCDE: “…existe uma confusão generalizada entre segurança digital e “proteção de dados” (ou seja, proteção de privacidade). Muitos atores não distinguem as duas áreas e não entendem sua relação, inclusive como podem se fortalecer ou minar um ao outro. É provável que esta situação evolua após a plena implementação da lei de proteção de dados no Brasil”.
A LGPD é entendida, no relatório, como mais flexível e menos restritiva que a Regulação Geral de Proteção de Dados (GDPR) da União Europeia, por ter mais bases legais para o tratamento de dados. O documento menciona a possível privatização da Serpro e da Dataprev, apontando riscos sobre essa ação, e questiona como se dará a articulação entre a LGPD, através da ANPD, com outras estruturas mais tradicionais e órgãos como a SENACON. Uma das recomendações finais no tema da LGPD é que a lei esteja alinhada com a Estratégia Nacional de IA.
O relatório dedica um capítulo ao tema da infraestrutura brasileira, levantando pontos como o alto custo energético para instalação de data centers, e a importância de se assegurar um mercado competitivo no leilão do 5G. Outro capítulo foca em estímulos ao desenvolvimento digital, pontuando o tema das startups que agora ganham um Marco Legal; o crescimento do comércio eletrônico; e as iniciativas de inclusão financeira das fintechs e de novos mecanismos como o PIX, do Banco Central. Destaca-se a Estratégia de Governança Digital, voltada ao aumento de eficácia de políticas públicas utilizando tecnologias digitais. Uma das críticas do relatório é sobre o uso de softwares de código aberto não serem uma prioridade ao governo brasileiro.
Sendo assim, o relatório traça uma forte estratégia para inserção do Brasil na economia digital, priorizando valores como a privacidade, a transparência e o uso de composições multissetoriais para manutenção do diálogo entre todos os setores. O documento diz que “a inovação digital requer alto grau de cooperação entre setores e disciplinas. Nos países da OCDE, iniciativas que promovem esse tipo de interação estão florescendo” cujo pressuposto é um ambiente regulatório técnico e independente. A esse respeito a conversão da ANPD em um modelo autárquico é um dos pilares para a digitalização da economia brasileira, ao mesmo tempo que é um trunfo para que o estado brasileiro efetive o seu ingresso na OCDE.
Bruno Bioni & Jaqueline Pigatto
OCDE
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico é uma organização intergovernamental voltada ao estímulo do comércio e progresso econômico. Apresenta estudos e recomendações em várias áreas da economia para que os países adotem relações mutuamente benéficas e compartilhem responsabilidades.
Associação de Pesquisa do Data Privacy Brasil no CSISAC da OCDE
O Civil Society Information Society Advisory Council (CSISAC) é um conselho de representação da sociedade civil no Comitê da OCDE para políticas econômicas digitais, facilitando a troca de informações entre a organização e os participantes da sociedade civil, voltando-se para o interesse público. A Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa ingressou no Conselho em 2020.