#Informe 7 – Os dados e o vírus – 30 de maio a 05 de junho
Nature publica lista de perguntas para a criação de aplicativos de Contact Tracing. Tecnologia de rastreamento é utilizada em manifestações nos Estados Unidos. Atual epicentro da epidemia da COVID-19, América […]
Nature publica lista de perguntas para a criação de aplicativos de Contact Tracing. Tecnologia de rastreamento é utilizada em manifestações nos Estados Unidos. Atual epicentro da epidemia da COVID-19, América Latina sofre com problemas de repressão policial e desigualdade estrutural. Confira estas e outras notícias no terceiro informe do projeto “Os Dados e o Vírus”.
Como será o mundo pós pandemia do novo Coronavírus? Veja o que pensam alguns especialistas
O que você precisa saber…
– Aplicativos de Contact Tracing surgem pelo mundo todo como arma contra a COVID-19Populações de diversos países são obrigadas a utilizar aplicativos de Contact Tracing desenvolvidos pelo governo; – Economia sofre mudanças no pós pandemiaComportamento de compra também será diferente quando o Coronavírus passar. |
Desde o início do ano, muito tem se falado sobre “quando tudo isso acabar”, com milhares de possibilidades sobre como será o mundo do “pós pandemia”.
Entre as mudanças que podemos sinalizar e que já vem se tornando realidade pelo mundo é o avanço das plataformas de monitoramento. Há anos a tecnologia de vigilância vem sendo aplicada no nosso dia-a-dia, seja pela impressão digital na academia ou no escritório, por meio da publicidade e nosso comportamento de consumo ou até mesmo câmeras de reconhecimento facial. Desde o início do ano, com o avanço do novo Coronavírus, tais ferramentas se multiplicaram pelo mundo sob a justificativa do combate à pandemia mas nem sempre observando os direitos fundamentais à privacidade e à proteção de dados dos indivíduos..
A ONG Centre for International Governance Innovation (CIGI) publicou um texto sobre como será o mundo pós pandemia e o sobre como a proteção dos nossos dados estarão em risco. Na publicação a ONG diz que, no início, houve o esforço das autoridades de saúde pública e dos governos para adotar meios modernos e eficientes de Contact Tracing para controlar a disseminação e o surto da COVID-19.
E assim foi feito: diversos países se aproveitaram da “onipresença” dos aparelhos celulares para entender e controlar os passos dos indivíduos, como foi abordado nos informes anteriores de “Os Dados e o Vírus”. Alguns países adotaram a tecnologia de forma voluntária, como é o caso do Reino Unido, diversos estados dos Estados Unidos e França.
“Para nenhuma surpresa, vários países autocráticos, como China, Irã e Turquia tornaram obrigatório o download dos aplicativos. Embora não se esperasse o mesmo comportamento da Índia, o país também apostou na obrigatoriedade da tecnologia de rastreamento de contato. O juristas do país levantaram bandeiras vermelhas e argumentam que o aplicativo é inconstitucional”, disse Bessma Momani, autora da publicação.
O texto da GICI ainda alerta que existe forte inclinação para tornar todos os aplicativos obrigatórios, levando em conta que o download voluntário vai se revelar ineficaz. Segundo relatório do Big Data Institute de Oxford, pelo menos 80% dos usuários de celulares da região precisam aderir ao aplicativo para que ele seja realmente útil. Até o momento o aplicativo com abordagem voluntária de maior sucesso é o da Islândia, com apenas 38% da população utilizando a tecnologia.
“Cada vez mais, o uso global de ferramentas de vigilância digital pode ser exigido aos cidadãos para monitorar seus movimentos e isso é fator preocupante. Que mal haveria se nossos governos soubessem nosso paradeiro? As medidas de vigilância podem se tornar ineficientes sem a supervisão independente de um auditor. Sem controles adequados, eles podem se tornar invasivos, perdendo o controle dos movimentos de ativistas políticos, jornalistas críticos e oponentes políticos. Por fim, esses aplicativos podem se tornar ferramentas sedutoras que os governos desejam manter para muito além da contenção da COVID-19”, finaliza a autora.
Além da questão de segurança dos dados e privacidade por meio dos aplicativos por Contact Tracing e outros meios de monitoramento, também podemos afirmar que os modelos de trabalho e a economia já não são os mesmos do final de 2019.
Em outra publicação, a Centre for International Governance Innovation reuniu Bob Fay, diretor de pesquisa para economia digital, e Dan Ciuriak, pesquisador sênior da instituição para falar sobre como os dados mudam a economia e como o novo Coronavírus acelerou a transformação digital.
“No início deste século ocorreu uma revolução silenciosa: as empresas começaram a investir mais dinheiro e recursos no desenvolvimento de coisas que você não vê. O Uber não possui carros, o Airbnb não possui propriedades. Em vez disso, essas duas empresas cresceram exponencialmente por meio de dados e software”, exemplificou a ONG.
A publicação mostra a evolução que vinha se demonstrando no mercado e que tende a ser potencializada com a pandemia. Entre os exemplos estão as lojas físicas que migram cada vez mais para o ambiente digital, os escritórios das empresas dando lugar ao Home Office, com reuniões pontuais que podem ser executadas online ou em Co-works, compra de carros e casas, quando hoje existem serviços de aluguéis via aplicativos que suprem as necessidades.
Vale lembrar que toda essa transformação do mercado inclui transformação digital e mudanças no compartilhamento e utilização de dados pessoais, seja dos consumidores ou das próprias empresas. Aparentemente estamos prontos para encarar a mudança da economia, mas será que já estamos preparados para assegurar a proteção desses dados?
Nature publica lista com questionamentos para a criação de aplicativos de Contact Tracing eticamente justificáveis
O que você precisa saber…
– A lista conta com 16 perguntas e serve para desenvolvedores, designers e empresas; – Atualmente, mais de 47 aplicativos de Contact Tracing funcionam pelo mundo; – Organização Mundial da Saúde fez lista sobre boas práticas do Contact Tracing. |
Na última semana de maio, a revista Nature reuniu um grupo de especialistas para discutir diretrizes sobre o deve ser feito ao se criar um aplicativo de Contact Tracing ou utilizá-lo.
A discussão sobre as tecnologias de rastreamento digital é um dos assuntos mais quentes do momento, pela promessa de ser uma eficiente arma no combate ao novo Coronavírus ou por trazer à tona os riscos à privacidade e à proteção de dados na sua utilização. O Contact Tracing já conta com mais de 47 aplicativos em todo o mundo, incluindo países como Japão, Reino Unido, França e Austrália.
Jessica Morley, Josh Cowls, Mariarosaria Taddeo e Luciano Floridi foram os responsáveis pela publicação, que tem como objetivo ajudar governos, agências de saúde públicas e fornecedores no desenvolvimento de aplicativos éticos e com necessidade de utilização justificável.
De forma resumida, aplicativos de rastreamento no combate ao SARS-COV-2 funcionam da seguinte forma: depois do download, a plataforma passa a ser executada em um celular. Através do uso de dados de geolocalização ou Bluetooth, o usuário recebe avisos sempre que passar algum tempo perto de alguém com o vírus e também saberá se o local que se encontra é livre do Coronavírus ou não. Desta forma, ele é informado se deve ficar em isolamento ou se pode transitar tranquilamente.
“Essas intervenções digitais têm um preço. A coleta de dados pessoais potencialmente sensíveis ameaça à privacidade, à igualdade e à justiça. Mesmo que os aplicativos de COVID-19 sejam temporários, a implementação rápida de tecnologias de rastreamento contempla o risco de criar registros permanentes de saúde, movimentos e interações sociais das pessoas, sobre os quais eles têm pouco controle”, afirmou a publicação.
Enquanto especialistas continuam receosos sobre a segurança dos aplicativos, governos se comprometeram a proteger a privacidade dos dados. As gigantes Apple e Google, que desenvolveram uma tecnologia de rastreamento que pode ser usada em diferentes países, afirmaram que sua plataforma não exige armazenamento central, sendo assim, mais segura.
A restrição temporária de alguns direitos e liberdades fundamentais pode ser eticamente justificável no contexto de apressar o fim da pandemia. A quarentena de indivíduos, por exemplo, ajuda a impedir a propagação da doença. Pode-se argumentar que é antiético não usar aplicativos de rastreamento digital quando necessário. No entanto, depende muito da eficácia do aplicativo, do objetivo perseguido, do tipo de sistema e do contexto em que ele será implantado.
Os especialistas também alertaram: “A implementação de um aplicativo sem considerar suas amplas implicações éticas e sociais pode ser perigosa, cara e inútil. Por exemplo, os sinais de Bluetooth que mostram a proximidade dos telefones celulares de duas pessoas não são um indicador certo de risco de infecção – as duas pessoas podem estar no mesmo espaço, mas fisicamente separadas por uma parede. Um alto nível de falsos positivos de um aplicativo desses pode causar pânico sem justificativa”.
Ainda sobre atuar de forma ética, os especialistas afirmam que o aplicativo de Contact Tracing deve obedecer a quatro princípios: deve ser necessário, proporcional, cientificamente válido e com prazo determinado. Esses princípios são derivados da Convenção Européia de Direitos Humanos, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e dos Princípios das Nações Unidas, que especificam as disposições do PIDCP que limitam sua aplicação.
Para que os quatro princípios sejam seguidos, foi criada a lista das 16 perguntas, que servem como base para questionar se a criação do aplicativo é mesmo justificável, feita para que designers, implantadores e avaliadores executem o projeto da forma mais ética o possível.
Entre as perguntas da lista publicada pela Nature estão: “É mesmo necessário?”; “Os usuários podem apagar seus dados?”; “É igualmente acessível?”. Confira a lista completa.
Quem também executou um estudo sobre o assunto foi a Organização Mundial da Saúde (OMS). Neste, além de alertar pelo perigo do vazamento dos dados pessoais e à exposição da privacidade dos usuários, a OMS também desenvolve uma lista de princípios a serem seguidos.
Entre os princípios estão: a transparência da utilização dos dados, a anonimização e a minimização dos dados pessoais dos usuários, a segurança e o descarte depois da utilização para o fim predefinido.
Maria Paz Canales, uma das especialistas consultadas para a execução do estudo da OMS esteve, no dia 4 de junho, com o coordenador do projeto “Os dados e o vírus”, da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa Rafael Zanatta. Na ocasião, o Contact Tracing foi discutido, bem como sua eficácia e sua segurança quanto aos dados dos usuários.
Caso George Floyd: Contact Tracing é utilizado para encontrar manifestantes em Minnesota
O que você precisa saber…
– Governo norte-americano utiliza rastreamento de contato para apontar manifestantes na região de Minneapolis; – EFF explica diferença entre rastreamento manual e via aplicativos; – Ações podem fazer com que população deixe de usar aplicativos no combate ao novo Coronavírus. |
Desde o dia 25 de maio, data marcada pelo assassinato de George Floyd, as ruas de cidades estadunidenses e das principais cidades do mundo têm sido tomadas por manifestações anti racistas e antifascistas. Minneapolis, cidade do estado de Minnesota e sede do assassinato de Floyd, têm enfrentado manifestações pacíficas e – em alguns casos – violenta.
De acordo com o site norte-americano BGR, sob a alegação de combate à violência das manifestações,, algumas cidades – incluindo Minneapolis – estão começando a recorrer ao rastreamento de contato digital ou contact tracing.
O Comissário de Segurança Pública de Minnesota, John Harrington afirmou, durante entrevista coletiva, que a tecnologia está sendo usada para entender o perfil dos manifestantes e também se fazem parte de alguma organização.
“Quando começamos a fazer prisões, começamos a analisar os dados de quem prendemos e, na verdade, começamos a fazer algo bem parecido com o que estamos fazendo hoje com a Covid-19: Rastreamento de contato. Com quem eles estão associados? Para quais plataformas eles estão defendendo?”, afirmou Harrington.
Tim Walz, governador do estado, acrescentou a informação afirmando que cerca de 80% dos manifestantes apreendidos são de fora de Minnesota.
Sem levar em conta os dados citados, nem fazer análises em torno do assunto, o que chama a atenção é a utilização do Contact Tracing para algo diferente do combate ao Coronavírus. Os rastreadores precisam de detalhes pessoais, detectando inclusive por onde você andou e onde esteve em determinado período de tempo, trazendo um grande alerta para a segurança dos dados e privacidade da população.
A ONG Electronic Frontier Foundation (EFF) também falou sobre o assunto, e alertou para o perigo da utilização do Contact Tracing para controlar a vida dos cidadãos e para qualquer outro fim que não seja o de combate à pandemia. , Além disso, aponta para a importância das autoridades de saúde pública praticarem rigoroso cuidado com a minimização e anonimização dos dados e dos cuidados com a política de privacidade.
A publicação ainda explica a diferença entre o Digital Contact Tracing ou rastreamento de contato digital (via aplicativo) e o rastreamento manual, feito por meio de entrevistas de profissionais, coletando dados que podem ser relevantes para o controle da doença, por exemplo.
“Interrogar manifestantes presos sobre suas crenças e associações é uma prática de longa data. O mesmo acontece com a vigilância de mídias sociais pela polícia. Essas práticas devem ser cuidadosamente restritas para que não prejudiquem nossos direitos de associar, reunir e protestar”, explicou sobre o rastreamento manual feito em investigações.
A real preocupação, de acordo com a EFF, é o cruzamento dos dados, junto da automatização feita por outros aplicativos e dados coletados de forma indiscriminada, trazendo insegurança para a população e afastando todos, inclusive, da utilização dos aplicativos para o combate da COVID-19.
A ONG ainda ressalta a importância da anonimização dos dados, bem como seu descarte. “Nenhum questionamento sobre movimentos, atividades e associações deve ser feito. Se algo parecido acontecer, as pessoas deixarão de cooperar e isso acarretará em graves consequências”, finalizou.
Países Latino Americanos sofrem desigualdade estrutural e repressão policial durante pandemia da COVID-19, afirmam ONGs
O que você precisa saber…
– Pandemia da COVID-19 desencadeou prisões e repressão policial em diversos países da América Latina; – Desigualdade estrutural é evidenciada durante pandemia; – Aplicativos e tecnologia pode ser determinante para o aumento da discriminação na população. |
Na última semana de maio, o jornal independente Democracy Now fez uma publicação sobre o abuso das autoridades em meio à crise da pandemia do novo Coronavírus.
Á medida que o epicentro deixou a Europa e os Estados Unidos e chegou na América Latina, as repressões e prisões também aumentaram na região.
O veículo entrevistou Jorge Cuéllar, professor assistente especialista em América Latina e Caribe do Dartmouth College, nos Estados Unidos, que está atualmente em El Salvador e contou um pouco do que a região tem passado nos últimos meses.
Cuéllar revelou que diversas pessoas estão sendo presas por conta da quarentena e ficam em locais sem higiene e com superlotação. “Foi criado um clima de intimidação para as pessoas que buscam realizar suas tarefas diárias, como ir à farmácia ou fazer compras no supermercado. Todo mundo está vulnerável e há mais riscos de ser infectado pelo coronavírus nesses centros de contenção onde os cidadãos estão sendo levados do que ficando soltos ou em casa”, disse.
Segundo o entrevistado, existem vastos bloqueios militares na região a fim de controlar a pandemia da COVID-19. “O que é muito estranho no que está acontecendo é que não existe clareza e informações transparentes no que realmente anda acontecendo. As pessoas são presas e recebem tratamentos inadequados, sem condições mínimas de higiene, banheiros quebrados e superlotação”, acrescentou.
O Democracy Now também entrevistou Louise Tillotson pesquisadora da Anistia Internacional e membro da equipe que criou o relatório chamado “As autoridades devem proteger as pessoas do COVID-19 em vez de recorrer a medidas repressivas”.
A pesquisadora revelou que a organização tem recebido dezenas de denúncias de abusos sofridos em diversos países, incluindo Paraguai e Venezuela.
“Tudo o que vimos nos indicam que as pessoas que vivem na pobreza, sem-tetos, migrantes e refugiados têm muito mais chances de sofrerem tais medidas punitivas. Estamos vendo que a COVID-19, bem como pandemias anteriores, amplia a discriminação estrutural. E, infelizmente, os mais marginalizados são os primeiros alvos dessas respostas punitivas”, explicou a pesquisadora.
As desigualdades social e regional também têm sido cada vez mais expostas no Brasil. Enquanto diversos aplicativos surgem para combater o vírus, parte da população é marginalizada e excluída do processo por falta de acessibilidade.
Um estudo da Fundação Heinrich Böll mostra que a ausência de marcos legais adequados e instituições que podem supervisionar o uso de tecnologias durante a pandemia são os maiores problemas enfrentados por grande parte da população.
“Neste momento, a coleta de dados e a classificação avançam exponencialmente, seja para pesquisas na área médica e/ou para vigilância em relação ao distanciamento social”, disse a publicação.
A fundação ainda disse que a pandemia nos leva a pensar sobre o real significado da privacidade em um país como o Brasil. E finalizou: “O cenário internacional evidencia como a infinita base de dados disponível para governos e empresas a partir das nossas interações com as tecnologias pode terminar por determinar se teremos ou não acesso a respiradores em um contexto de anunciada escassez de suprimentos médicos. No caso brasileiro não há dúvidas de que sistemas desse tipo terminariam por legitimar a política histórica de genocídio de populações que se manifesta em uma série de outras formas”.
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EQUIPE
Projeto “Os dados e o vírus”. Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa. Coordenação: Rafael Zanatta & Bruno Bioni. Equipe de pesquisa: Mariana Rielli, Gabriela Vergili, Iasmine Favaro e Carolina Pain. Apoio: AccessNow.
IMPRENSA
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